Atropelei uma pomba. Isso nunca tinha me acontecido antes, e foi horrível. Apressada, indo para o trabalho, 7h48 com o
Boechat dando seus pitacos. Vi elas ali, eram duas - eram, porque agora é apenas uma. Estavam pousadas no asfalto, serenas, brincando com as folhas do outono que se desgarraram das árvores, ou comendo restos que os cachorros desprezaram na madrugada friorenta. Mal sabia ela - a que morreu - o que estava por vir.
O carro estava a 50km/h, a
rua era estreita e 60m à frente havia um cruzamento. Vi elas ali, eram duas, mas não pisei no freio. Diz que pombas são ratos com asas - não concordo. Mas não discordo. E afinal de contas elas sempre voam. E voaram, mas a que estava mais à esquerda, ao acompanhar a amiga no voo para a direita, acabou acertando em cheio meu capô, e depois o vidro do para brisa, e depois rolou para o chão, com as asinhas abertas. As penas que se soltaram demoraram mais a alcançar o piso, fizeram uma dança no ar enquanto eu, incrédula, cobria a boca com a mão.
Deveria parar, voltar, ver como ela estava? Estava atrasada para o trabalho, e afinal de contas era só uma pomba. Tentei ainda um último adeus pelo retrovisor, para certificar-me de que o velório seria em um local tranquilo, mas não consegui localizá-la. Penso que ela mereceu a morte: não era habilidosa o suficiente para continuar vivendo.
Todo este episódio me leva a outro acontecimento, 4 anos antes. Ainda estudante, fui uma noite ao Largo da Ordem tomar um CL (Leia-se: Campo Largo - para os não familiarizados com o apelido). Logo no começo da noite, caminhando pela calçada, vi uma pomba
zumbi semi-morta. Ela estava jogada na
sarjeta, ainda respirava, mas não se movia. Passei quase uma hora ao lado do animal, que deve ter tido uma história parecida com o nosso herói anterior. Mas jamais imaginaria que eu seria a
vilã anos depois.
Aquela pomba, ofegante, com os olhos entreabertos, morreu nas minhas mãos. Nunca jamais havia presenciado uma morte assim, nos meus braços! Confesso que uma lágrima escorreu tímida. Eu odiava a pessoa que tinha feito isso com ela. E quando constatei que os pulmões já não se enchiam e que os olhos não se abriam mais, coloquei seu corpinho junto ao pé de uma árvore e cobri com algumas folhas e galhos que estavam caídos por ali. Penso que ela mereceu um velório: não fora sua culpa que algum motorista apresado não a vira.
E assim retrato, nestas duas histórias, a transição entre ser jovem e ser adulto.