O carro estava a 50km/h, a rua era estreita e 60m à frente havia um cruzamento. Vi elas ali, eram duas, mas não pisei no freio. Diz que pombas são ratos com asas - não concordo. Mas não discordo. E afinal de contas elas sempre voam. E voaram, mas a que estava mais à esquerda, ao acompanhar a amiga no voo para a direita, acabou acertando em cheio meu capô, e depois o vidro do para brisa, e depois rolou para o chão, com as asinhas abertas. As penas que se soltaram demoraram mais a alcançar o piso, fizeram uma dança no ar enquanto eu, incrédula, cobria a boca com a mão.
Deveria parar, voltar, ver como ela estava? Estava atrasada para o trabalho, e afinal de contas era só uma pomba. Tentei ainda um último adeus pelo retrovisor, para certificar-me de que o velório seria em um local tranquilo, mas não consegui localizá-la. Penso que ela mereceu a morte: não era habilidosa o suficiente para continuar vivendo.
Todo este episódio me leva a outro acontecimento, 4 anos antes. Ainda estudante, fui uma noite ao Largo da Ordem tomar um CL (Leia-se: Campo Largo - para os não familiarizados com o apelido). Logo no começo da noite, caminhando pela calçada, vi uma pomba
Aquela pomba, ofegante, com os olhos entreabertos, morreu nas minhas mãos. Nunca jamais havia presenciado uma morte assim, nos meus braços! Confesso que uma lágrima escorreu tímida. Eu odiava a pessoa que tinha feito isso com ela. E quando constatei que os pulmões já não se enchiam e que os olhos não se abriam mais, coloquei seu corpinho junto ao pé de uma árvore e cobri com algumas folhas e galhos que estavam caídos por ali. Penso que ela mereceu um velório: não fora sua culpa que algum motorista apresado não a vira.
E assim retrato, nestas duas histórias, a transição entre ser jovem e ser adulto.